Lei Anticorrupção Empresarial: não vale a aparência
Por Marcelo Zenkner
Fonte: http://blogs.gazetaonline.com.br/meexplicadireito/
A Lei Anticorrupção Empresarial, que entrou em vigor em janeiro do ano passado e foi impulsionada pelas manifestações populares de junho de 2013, veio, na verdade, cumprir compromissos que o Brasil havia assumido no plano internacional, especialmente a convenção da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1997, que prevê a adoção pelos países signatários de instrumentos legais para responsabilizar empresas que participassem de ações ilícitas junto à administração pública, nacional ou estrangeira.
“Tanto rouba quem vai à horta como quem fica à porta”, diz um velho adágio português. Por isso, dentre as principais novidades da Lei 12.846 está a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública, o que significa, em outras palavras, que uma empresa poderá ser responsabilizada, por exemplo, se qualquer de seus funcionários entregue ou simplesmente ofereça vantagem indevida a um agente público, ainda que a alta cúpula ou a direção daquela mesma corporação não tenha dado ordem nesse sentido, não tenha tomado conhecimento ou até mesmo não tenha se beneficiado daquela conduta.
Nesse sentido, provada a conduta do funcionário pelas autoridades públicas, a empresa será responsabilizada e poderá sofrer pesadas sanções, como multa, que pode chegar a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior, e proibição, por até cinco anos, de receber empréstimos de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, como BANDES e BNDES, dentre outras.
Uma importante defesa que pode ser utilizada em casos tais é a demonstração pela empresa que ela implementou previamente mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades (“compliance”), bem como que ela aplica efetivamente códigos de ética e de conduta. O Brasil incorpora em seu ornamento jurídico, assim, as mais modernas ferramentas legislativas de combate à corrupção, as quais partem da premissa de que, se não existir a figura do corruptor, não haverá o corrupto.
Exige a Lei Anticorrupção Empresarial que as ferramentas de proteção à empresa sejam “efetivas”. Por isso, não basta que as pessoas jurídicas criem códigos de conduta, abram canais de denúncia ou contratem um “compliance officer” (controlador de lisura das operações); se qualquer de seus funcionários for flagrado praticando uma das condutas ilícitas descritas na lei, as empresas só terão direito ao benefício da atenuação das sanções se comprovarem, concretamente, a idoneidade e a adequação de seus controles internos.
Para a lei, a virtude não está naquilo que a empresa aparenta ser, mas sim naquilo que ela verdadeiramente é, como deve acontecer na vida de todos nós.
Claro que a conscientização da necessidade dessas providências e sua respectiva implementação prática – que deve ser encarada como investimento, e não como despesa – passa por uma mudança de cultura no meio empresarial. Exatamente para entender melhor o impacto da Lei 12.846/2013 nas empresas brasileiras, a consultoria ICTS Protiviti publicou, no início deste ano, uma pesquisa realizada com 231 empresas que mantem operações no Brasil. Do total das empresas pesquisadas, 61% afirmaram não ter mapeado os riscos de exposição à Lei Anticorrupção, enquanto apenas 12% indicaram possuir um programa de compliance efetivo.
A mudança de mentalidade decorrente da nova realidade que se descortina no âmbito negocial brasileiro depende, obviamente, de uma sinalização e uma movimentação do Poder Público no mesmo sentido. O Espírito Santo, um dos cinco Estados que já regulamentaram a Lei Anticorrupção Empresarial, é pioneiro na criação de uma estrutura administrativa específica na Secretaria de Controle e Transparência para tratar exclusivamente dos processos administrativos de responsabilização, sendo que, muito em breve, as primeiras sanções já começarão a ser aplicadas, algo ainda inédito no Brasil.
Por tudo isso, é fundamental que haja uma perfeita compreensão do sentido e dos objetivos da nova legislação não apenas por parte do empresariado, que precisa urgentemente investir em medidas preventivas, mas também por parte dos profissionais da área jurídica e das ciências econômicas, os quais têm a sua frente um campo deficitário e completamente inexplorado no mercado brasileiro.